Por Sérgio Pereira Couto – jornalista e assessor de imprensa para bandas
Estamos de volta com mais dicas para você, que quer começar uma banda do zero absoluto. OU mesmo para você, que já tem uma banda em estágios variados e que quer aprender a administrá-la melhor.
No artigo anterior conversamos sobre dois pontos bastante significativos: o nome da banda e a escolha do repertório (autoral, cover ou misto). Desta vez vamos nos enfocar em outros dois pontos bastante discutidos por músicos iniciantes: entrosamento de grupo e multi-instrumentalismo.
Há um ponto que sempre é citado em qualquer tipo de discussão online em que você entre: quando monto uma banda é necessário que tenhamos um grupo que se dê bem logo de cara ou ser entrosado é algo que se desenvolve a partir do momento em que tocamos juntos?
Não há como responder isso logo de cara: trata-se de um aspecto humano e, como a grande maioria deles, vai depender das pessoas envolvidas e da natureza inerente de cada um. Em outras palavras, vai depender do fator psicológico de cada um. Uma coisa temos que levar em consideração: TODO MÚSICO GOSTA DE ATENÇÃO!
A primeira reação de quem vê uma afirmação dessas é sentir uma certa repulsa: quer dizer que todo músico é exibicionista?
Conhecendo sua banda
Não se trata bem disso. Mas seja numa apresentação em evento social (num clube, num baile, num casamento, num churrasco, etc) ou em algo mais profissional (numa competição musical, numa apresentação para uma rádio, num videocast, etc) todo músico espera receber uma palavra de incentivo. E nessa fase é importante para os primeiros passos de uma banda e para combater a eventual insegurança que bate.
O problema é que algumas pessoas gostam tanto disso que parece droga: logo se tornam viciadas em receber essas palavras. E só vão tocar bem se as receberem. E quanto mais recebem, mais querem receber.
Não pense que uma banda vai ser um mar de rosas logo de cara quando o assunto é relacionamento interpessoal. Em qualquer grupo social haverá certos membros que se dão melhor com outros. Isso acontece desde que você era pequeno e estava na escola!
A dica aqui é: antes mesmo de pensar em mandar demos para gravadoras ou procurar apresentações em barzinhos, procure verificar a quantas anda o entrosamento da banda. Em todos os níveis: pessoal e musical. Parcerias para composição não são iguais ás parcerias para execução. Você pode se dar bem com o baterista para desenvolver arranjos incríveis, mas preferir o baixista para compor seu material, por exemplo.
O entrosamento perfeito leva tempo. E isso varia muito pro conta do grau de intimidade e simpatia entre vocês. É óbvio que os integrantes que já se conhecem há tempos vão se dar melhor entre si do que aqueles que entraram para a banda recentemente. E não se engane: discussões e discórdia aparecem muito facilmente quando o trabalho começa a rolar. Imagine então quando começam a aparecer as apresentações ou trabalhos, o que significa grana ou oportunidade aparecendo…
Quando a banda parte para o cover, a situação é um pouco mais leve: na grande maioria delas, o amor por uma mesma banda é um fator que une os componentes e faz com que a trocar de ideias para arranjos musicais ou vocais seja bem mais fácil. Recentemente conheci uma banda cover de Beatles cujos membros eram todos empresários estabelecidos. Mas na hora de tocar, como todos eram “beatlemaníacos”, a troca de ideias sobre como tocar esta ou aquela canção rolava tão facilmente que mesmo as disputas internas (vamos tocar mais composições do John Lennon ou do Paul McCartney?) se resolviam facilmente e sem esforço.
Agora, quando o assunto é material autoral, a coisa muda de figura. A banda em geral se esquece que o compositor apresenta sua ideia para nos demais contribuírem e que está naturalmente em seu direito aprovar ou não o arranjo proposto. Aí surgem as famosas “diferenças criativas”, que já levaram tantos músicos a largarem suas bandas e tentarem criar as suas próprias, apenas para terem a liberdade de fazer o arranjo como quiserem.
A dica que fica aqui é: sejam pacientes e explorem os talentos do grupo para testar os vários níveis de entrosamento. Não esperem ser a mesma banda no tempo que suas carreiras durarem. Claro que isso é possível (afinal os Beatles eram os mesmos na maior parte de suas carreiras gravadas), mas é muito provável que vocês acabem passando pela síndrome das várias formações que marcaram bandas como Black Sabbath ou Deep Purple.
Banda de um componente só
O lado criativo nos leva à segunda questão: um bom músico é aquele que toca um só instrumento ou que sabe tocar todos aqueles que encontra numa loja musical ou num conservatório?
Uma banda comum ou tradicional é aquele com a formação que vem desde os anos 1950: baixo, guitarra, bateria e vocal. O teclado aparece alguns anos mais tarde e se torna mais comum durante os anos 1960. E já naquele tempo era comum haver multi-instrumentalistas, ou seja, aqueles que aprendiam por conta própria e que, com o acesso liberado para um estúdio, já tiravam esses instrumentos complementares da manga para exibir no ambiente controlado.
Mas estamos falando dos anos 2020. Temos a tecnologia tão avançada que podemos fazer de tudo no estúdio, até mesmo simular instrumentos que não tocamos. Tudo ao alcance de um teclado.
Como resolver este impasse? Um multi-instrumentista hoje é tão badalado quanto era nos anos 1950 e 1960? Ou basta usar um software para mascarar isso?
Primeiro, e antes de tudo: ESQUEÇA A TECNOLOGIA. Atenha-se ao seu talento e aos recursos ao seu alcance. Se sua composição vai ficar melhor com a adição de uma gaita de foles, por exemplo, vá aprender a tocar uma (e prepare os ouvidos, porque não é fácil!). Mesmo se alguém de estúdio sugerir adicionar virtualmente um instrumento que você não toque, não aceite: as possibilidades de seu arranjo ficar artificial demais e passar uma imagem errada para um produtor musical são altíssimas.
Segundo, e mais importante: não é necessário saber tocar mil instrumentos logo de cara. Na história do rock há vários nomes que foram especialistas em um só instrumento e são cultuados até hoje (principalmente bateristas, que variam tocando pandeiro ou outro instrumento de percussão). E há aqueles que tocam vários instrumentos e são praticamente uma banda de um homem só. Mas estes levaram anos para se aperfeiçoar e não tentaram usar isso de cara para conquistar um contrato com uma gravadora.
Acrescentar um instrumento, principalmente se for algo inédito e diferente, pode acrescentar muito à sua música. Que o digam bandas como Metallica e Deep Purple (que usaram orquestras sinfônicas inteiras), Soundgarden (que usou colheres) e Jethro Tull (que usou flauta transversal) para conseguir efeitos diferentes. Mas lembre-se: essas bandas já estavam adiantadas e contaram com a ajuda de produtores musicais para a execução. Se você puder acrescentar algo assim logo no começo da sua carreira, ótimo. Mas não se preocupe com isso: há detalhes bem mais importantes para se levar em consideração, como compor músicas atraentes que ressoem com seu público, seja musical ou liricamente.
Ficamos por aqui. Já demos bons passos na construção de nossas bandas. A seguir outros dois pontos importantes: como buscar inspiração para compor e arranjar. Até a semana que vem!